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As Loucuras de Neliticia e os Psicólogos da Morte (contos)

Jameson Brandão

A rua hoje está muito movimentada. Neliticia, uma dona de casa que nunca se casou encontra-se em sua residência, varrendo o chão, lavando a louça, cuidando da mãe. Isso mesmo, cuidando da mãe. Vive com ela e nunca se mudou, sua mãe é uma idosa que está muito debilitada, ao auge dos seus noventa e quatro anos, precisa de ajuda.
Onde mora é uma rua tranquila. Mas isso até a chegada dos psicólogos da morte.
A noite na casa de Neliticia é muito difícil, os seus sonhos são os de outrora, onde parece está muito longe, tão longe que o céu está mais próximo. Podia ela chorar nas madrugas e gozar de seus sonhos como se fosse realidade. Mas infelizmente Neliticia não concluirá seus sonhos. O despertar é para poucos, e no auge de sua juventude ainda o torna mais triste, quarenta e cinco anos ainda não vividos.
Mas ela acordou para o café do dia e talvez consiga suportar o suor da tarde e os calafrios da madrugada. Porque a noite será de surpresas, não sei te dizer se é de lucidez ou de excesso de loucura, mas dela surgirá o alvo talhado serrando o telhado.  O dia passou como o tempo de todo dia, aquele que sempre nos abraça e enlaça nossas memorias. Ao inicio do crepúsculo exaltada é a majestade. A o pôr-do-sol sentir na face os últimos momentos de calor do corpo a se relacionar com o sol, com seus raios fúlgidos e singelos de emoções.
Sua mãe, Dona Duvá, se acolhia a recordar os tempos de outrora, a lembrar-se-á do que não aproveitou, e observar sempre as crianças pelas frestas das grades, a disputa pela bola, o pega-pega, o jogo de sete-cacos, o pula-sela, o bobinho. As brincadeiras que retornariam sempre á sua infância, e olhar para o presente, talvez não viva mais um dia.
Mas os seus olhares da vida, tornam-se o palco da saudade e as dúvidas do presente, Duvá talvez só queira retornar, amar, sentir, querer fazer tudo novo, e conquistar mais um passo.
Neliticia prepara o café para sua mãe. Sua mãe encontra-se deitada a espera dos preparativos da filha e até mesmo de se despedir de tudo. Hoje é domingo.
No café da mãe umas gotas de calmante, no pão com creme de requeijão também mais umas gotas, talvez tenha sonhos tranquilos agora. Ambas vão para suas camas, a mãe usa pijama de urso com folhas e vagens da Alforrabeira. Já Neliticia, gosta de dormir só com o sutiã e uma calça solta com estampa de flores, rosas e margaridas.
Seus vizinhos mudaram-se recentemente para aquela rua, o misterioso é que poucos o conhecem, inclusive Neliticia. Os vizinhos são adeptos das cores escuras, principalmente preto e cinza, e uma vez ou outra as fumaças dos cigarros invadem sua residência pelo telhado e o seu quintal.
Naquela noite, eles compraram um litro com vinho, e em meio as suas palavras, a reunião ia ficando mais sensual e os desejos e prazeres lhe viam a mente. Era um grupo com quatro rapazes adolescentes. Naquela noite, na casa onde estavam os meninos, a sua mãe, não se encontrava, tinha ido consultar com um cliente a quantidade e valor dos salgados, ela trabalha com isso, vive na feira vendendo salgados, doces, tudo que pode complementar a renda. Ela é muito honesta, diferentemente de seu filho e os amigos dele.
Neliticia, deitada estava em sua cama, vagava pelos seus sonhos imaginando o que não deu certo, pensava ela na sua profissão de enfermeira, que só pôde concluir o curso, mas a profissão nunca conseguiu exercer, tem a sua mãe para cuidar.  Até que ela se assusta com alguns ruídos, abre os olhos e consegue ver a lua e uma sombra acima de seu telhado. Levanta desesperada da cama, corre até a sala, abre a porta e grita socorro aos vizinhos, ela chora, estava pasma, ela é branca, mas agora passou do limite, o medo a tomou de tal forma que ela desmaia no meio da rua de chão batido.
Passam-se alguns minutos, os vizinhos chegam para ajuda-la, trazem água e um pouco de álcool para que ela se recupere mais rápido, a colocam para cheirar o álcool e ela volta a si, os homens invadem a casa atrás de Dona Duvá, já que todos conheciam as suas condições.
- Tem um homem em meu telhado! Ele estava me olhando, ele retirou as telhas de acesso ao meu quarto, e estava entrando! Gentes vão lá pra vocês verem! As telhas foram tiradas! Dizia Neliticia com olhos de desespero, olhava para os lados a todo o momento, não sabia ela o que procurava, mas continuava olhando a procura.
- Dona Duvá está morta! Falava o homem quase não acreditando e com a voz tão baixa que parecia ele que iria desmaiar.
A polícia já havia sido chamada. Quando chegam, ela fala o que ouve, parecia não ter ouvido o que o homem falara para ela.
- O que foi que houve aqui senhora? Perguntava o policial.
- Tinha um homem destelhando minha casa, na parte que dá acesso ao meu quarto, e eu o vi. Dizia Neliticia.
Estava muito tremula e os policiais entraram na casa, enquanto ela era segurada pelas vizinhas, então, sentou-se no meio-fio e ficou ali de cabeça baixa.
Os policiais entram na casa, vão em direção aos quartos, verificam todos, e observam o telhado.
- Essa mulher é louca! Não existe nada no telhado, nenhuma abertura foi feita aqui! Dizia o policial.
No entanto, observam uma pessoa idosa imóvel na cama, e vão ver, observam que ela não está mais respirando, e chamam a perícia para o local.
Quando saem da residência começam a interrogar os vizinhos, e eles relatam o que ouve.
- Olha seu policial, quando saí de casa encontrei ela caída aqui na rua, corri e entrei logo na casa, enquanto os outros vizinhos a ajudavam. Pensei que poderia ser algo com a sua mãe que vive doente, ai quando entrei no quarto da mãe dela o vi morta, verifiquei sua pulsação e não sentir responder o coração nem o pulso. Constatei que ela havia morrido. Relatou tremulo o homem.

E no meio desta situação Neliticia desapareceu, as vizinhas relataram aos policiais que ela havia sentado no meio-fio e depois sumiu. Ninguém sabia ao certo o que aconteceu, mas que no velório da mãe, as flores eram brancas e amarelas. A estrada pode ser longa, os caminhos de cascalhos, mas diferentemente do corpo, os sonhos nunca apodrecem. 

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